segunda-feira, 24 de setembro de 2007

O blog dá uma parada; mas o trabalho continua...


Caros leitores,

Estamos de volta ao Brasil, desde o último dia 14 de setembro. Após 40 dias em solo boliviano - período em que nos ocupamos de recolher imagens, em vídeo e foto, obter noticiários de TV e periódicos locais e contactar fontes diretamente envolvidas com o processo político (de ambos os lados e de diversas tendências) - o trabalho entra agora em uma nova fase, de decupagem e triagem desse material. Em paralelo, a equipe se empenha em dar um contorno final ao roteiro e buscar novos parceiros, para continuar viabilizando uma realização de alto nível.

A Bolívia, muito além da figura do presidente Evo Morales, passa por um processo de retomada de sua soberania, em que seu povo - historicamente explorado e cuja maioria ainda vive em condições precárias - se auto-reconhece e reafirma valores e cultura, e se organiza politicamente para tomar, dialogar, manter e cobrar do poder.

As medidas de nacionalização dos recursos naturais, regulamentação e organização da produção da folha de coca e implementação de uma assembléia constituinte, muito longe de arroubos de autoritarismo, foram nada menos que o cumprimento da agenda social que elegeu o presidente e que justifica sua estada no Palácio Quemado.

É impressionante o grau de informação e interesse por política da população boliviana hoje, sobretudo por parte das pessoas mais humildes - motoristas de taxi, cocaleros, pequenos comerciantes. Não são estúpidos ou ingênuos. Se engana é quem pensa que é só gente ignorante sendo enganada. É bom lembrar que, antes de Morales, a Bolívia depôs, nas ruas, dois presidentes, por não cumprirem tal agenda. Um deles desde 2003 vive em Miami e tem status de persona non grata em seu próprio país. Quem manda?

Da estada na Bolívia, já sentimos uma grande saudade. Do espanhol com acento boliviano, que já nos soava tão familiar; do convívio com o povo, quase sempre disposto a uma conversa à moda latina, tão consciente de tantos problemas, ao passo que tão cheio de camaradagem e bom-humor; de tantas experiências novas - dos contrastes urbanos entre o centro e a periferia, da amazônia e do altiplano exuberantes. E saudade sobretudo do convívio e da solidariedade entre os membros do nosso time, que sobreviveu ao desafio mais complicado que é conviver em grupo. Tanto melhor é quando grandes trabalhos produzem e fortalecem tão boas amizades.

Agradecemos aos nossos apoiadores - UFBA, IRDEB e Red Unitas - e a vocês, leitores do blog, cujo apoio foi o ânimo que fez a primeira fase do trabalho sair melhor que a encomenda. O blog dá uma parada, mas o trabalho continua.

Um filme bonito vem por aí.

Lucas, Ricardo, Mateus, Vítor e Tássia [exatamente na ordem da foto].

*corrigido às 14h53 do dia 25/9

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Paceña


La Paz em 30 de agosto

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

sábado, 8 de setembro de 2007

Catadores de luz

Uma base de ferro puxada por um cabo de aço nos conduziu em um plano inclinado até o boca mina, local onde os trabalhadores ingressam no morro para procurar minério. Sob nossos pés, a segunda maior extração de estanho do mundo. Um panorama industrial e uma multidão de trabalhadores contrastam com a alta dose de precariedade no local. Chegamos para conhecer um dia de trabalho dos mineiros de Huanuni, primeira mina a ser nacionalizada pelo governo de Evo Morales.

Capacete marrom, macacão azul, luz na testa, cinturão e bota compunham nosso vestuário de segurança para uma jornada de 7 horas dentro do mundo da mineração. Uma das entradas é por um corredor onde carris guiam o caminho de mini vagões transportadores de carga. A cada passagem da locomotiva, somos obrigados a encostar na parede de rocha irregular.

Antes de qualquer atividade subterrânea, os mineiros fazem uma espécie de devoção ao Tío, o santo protetor do interior mina. A figura é exótica, com cara de capeta, pele vermelha e um par de chifres. Reza a lenda que foi um dos melhores extratores de mineral da história e por isso virou santidade. Para ele não faltam oferendas, como fetos de lhama, cigarros acessos e folhas de coca, mascadas ou em formato natural. Se um mineiro necessita de um fumo, pode até pegar unzinho emprestado do Tío, mas ai dele não devolver no outro dia.

Depois de resguardado pelo "diabo divino", o trabalhador segue para seu posto de trabalho. A escuridão dos corredores só é quebrada pelo foco de luz da pequena lâmpada presa ao capacete.

Nos corredores em exploração, quartinhos abrigam o picheo (lê-se pitcheo) dos mineiros. "Impossível trabalhar sem mascar a folha de coca”, justifica um trabalhador sentado em uma tábua em meio ao ar rarefeito e a uma umidade sufocante. Ali portam uma sacola verde cheia da hoja. Uma por uma, cada folha é levada à boca depois de ter seu talo tirado com habilidade. O ritual se completa com a mastigação e o armazenamento da massa salivada numa das bochechas.

A folha de coca é sagrada para os mineiros. Dizem que ela serve de filtro e protege os pulmões da poeira produzida pela mina. Além disso, é estimulante mais forte que o café e garante até 8 horas de trabalho sem ingestão de alimentos.

Com a boca cheia eles partem para sua atividade diária. O trabalhador mais importante da mina é o perfurista. Conhecemos um desses. O sujeito porta uma espécie de britadeira com braço hidráulico e utiliza sua força para fazer pressão ante a parede de pedra. Fica por três horas seguidas suportando o trepidar e o ruído insuportável do maquinário. Depois paga o esforço com problemas renais e ortopédicos. Experimentei por alguns minutos o ofício e percebi a dureza do cara que faz a mina andar pra frente. Sem ele, nem um grama de estanho sai das paredes dos corredores de pedra.

Ainda existe o trabalho manual com martelo e cravo, mais especializado, no entanto igualmente sufocante. Todos sacam mineral para os transportistas levarem para o engenho, onde é separado da rocha.

Da severidade da vida na mina, esses trabalhadores desenvolveram uma filosofia sindical sólida e capaz de realizar a Revolução de 1952 na Bolívia. Mas, em 1985, a demissão de mais de 20 mil mineiros da Comibol (empresa estatal exploradora do solo) e o processo de privatização das jazidas levou os trabalhadores à desmobilização. Mas hoje tentam conquistar espaço político novamente e chegar até a luz indicadora do final da mina para sentir os raios da liberdade.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

A capital, quem leva?

Um dos impasses na agenda de debate da Assembléia Constituinte refere-se à capital do País. Atualmente a sede dos poderes executivo e legislativo é La Paz, mas a capital constitucional da Bolívia é Sucre. A divisão foi feita em 1899 durante uma guerra civil entre os próprios bolivianos.

Com mais de 2,3 milhões de habitantes, La Paz é a capital administrativa, sede do governo com o Palácio Quemado, onde entrevistamos o presidente Evo Morales. A geografia bastante acidentada é um detalhe que salta aos olhos assim que se chega à cidade. São milhares de casas e prédios erguidos em paredões rochosos. No fim do dia, com o cair do sol, a cidade é invadida por uma luz dourada, enquanto o monte Illimani [foto acima, ao fundo, coberto de neve], com 6,402 metros de altura, permanece inalcançável atrás das montanhas paceñas.

Na parte sul da Bolívia está Sucre, sede da Suprema Corte de Justiça, uma cidade relativamente pequena com pouco mais de 230 mil habitantes. Considerada Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), Sucre também é conhecida como Cidade Branca devido aos diversos casarões coloniais de faixada clara.

As duas cidades encabeçam na Constituinte proposta de capitalidade plena, termo que significa reconhecer apenas uma das cidades como capital e sede dos três poderes. A questão é que nenhuma das duas quer sair de mãos vazias. O tema motiviou divisão entre os constituintes de La Paz e Chuquisaca, departamento qual Sucre é capital, até que no último dia 15 de agosto a direção da Constituinte, a pedido de representantes do MAS, aprovou a eliminação do debate sobre a capital. A medida teve o apoio de 134 dos 211 constituintes presentes no plenário.

Desde então todas as atividades da Comissão da Constituinte estão paralisadas. A situação voltaria ao normal hoje, mas as sessões voltaram a ser suspendidas devido a um confronto entre policiais e manifestantes.

Em meio as pressões políticas, o governador do departamento de Chuquicasa, David Sánchez (MAS)renunciou o cargo com o argumento que não gostaria de ser responsável pelo enfrentamento de manifestantes e a polícia especialmente no próximo dia 10 de setembro, dia em que está programado uma marcha campesina com mais de 100 mil pessoas.



Em nossa passagem por Sucre [22 a 26 de agosto], encontramos mais de 600 pessoas em greve de fome, uma espécie de ação refratária à hipótese de perder a capitalidade. A foto ao lado foi tirada no Salão Vermelho de Honras da Prefeitura. No cartaz, "Sucre de pé, nunca de joelhos".