segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
Em cartaz em Salvador
Uma boa oportunidade para conferir Bolívia para além de Evo Morales no telão do cinema. O documentário será exibido nesta quarta-feira (21), às 20h, na Sala Walter da Silveira, em Salvador, na programação da "Quartas Baianas". A entrada é gratuita.
quinta-feira, 22 de maio de 2008
LANÇAMENTO 29 DE MAIO EM SALVADOR
Serviço
Lançamento do filme "Bolívia: para além de Evo Morales"
Quando: 29 de maio, às 20h
Onde: Sala de Arte do MAM-Ba
Direção: Ricardo Sangiovanni e Vítor Rocha
Realização: Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (CULT)
Co-produção: Instituto de Radiodifusão da Bahia (Irdeb)
Apoio: Red Unitas
Duração: 52"
sexta-feira, 4 de janeiro de 2008
quinta-feira, 13 de dezembro de 2007
Nasce o curta
Trilha sonora? Optamos pelo som ambiente. O maquinário e as ferramentas têm muito a dizer. A você, caro espectador, sugerimos que prepare o ouvido para dialogar com a mina. Mantenha os olhos abertos para conhecer o Tío. E lembre-se: não pisque, o vídeo é curto.
Mais:
A mina de um povo na mídia
Rotação 5' indica A mina de um povo como diferencial da 1ª noite do festival
segunda-feira, 24 de setembro de 2007
O blog dá uma parada; mas o trabalho continua...
Estamos de volta ao Brasil, desde o último dia 14 de setembro. Após 40 dias em solo boliviano - período em que nos ocupamos de recolher imagens, em vídeo e foto, obter noticiários de TV e periódicos locais e contactar fontes diretamente envolvidas com o processo político (de ambos os lados e de diversas tendências) - o trabalho entra agora em uma nova fase, de decupagem e triagem desse material. Em paralelo, a equipe se empenha em dar um contorno final ao roteiro e buscar novos parceiros, para continuar viabilizando uma realização de alto nível.
A Bolívia, muito além da figura do presidente Evo Morales, passa por um processo de retomada de sua soberania, em que seu povo - historicamente explorado e cuja maioria ainda vive em condições precárias - se auto-reconhece e reafirma valores e cultura, e se organiza politicamente para tomar, dialogar, manter e cobrar do poder.
As medidas de nacionalização dos recursos naturais, regulamentação e organização da produção da folha de coca e implementação de uma assembléia constituinte, muito longe de arroubos de autoritarismo, foram nada menos que o cumprimento da agenda social que elegeu o presidente e que justifica sua estada no Palácio Quemado.
É impressionante o grau de informação e interesse por política da população boliviana hoje, sobretudo por parte das pessoas mais humildes - motoristas de taxi, cocaleros, pequenos comerciantes. Não são estúpidos ou ingênuos. Se engana é quem pensa que é só gente ignorante sendo enganada. É bom lembrar que, antes de Morales, a Bolívia depôs, nas ruas, dois presidentes, por não cumprirem tal agenda. Um deles desde 2003 vive em Miami e tem status de persona non grata em seu próprio país. Quem manda?
Da estada na Bolívia, já sentimos uma grande saudade. Do espanhol com acento boliviano, que já nos soava tão familiar; do convívio com o povo, quase sempre disposto a uma conversa à moda latina, tão consciente de tantos problemas, ao passo que tão cheio de camaradagem e bom-humor; de tantas experiências novas - dos contrastes urbanos entre o centro e a periferia, da amazônia e do altiplano exuberantes. E saudade sobretudo do convívio e da solidariedade entre os membros do nosso time, que sobreviveu ao desafio mais complicado que é conviver em grupo. Tanto melhor é quando grandes trabalhos produzem e fortalecem tão boas amizades.
Agradecemos aos nossos apoiadores - UFBA, IRDEB e Red Unitas - e a vocês, leitores do blog, cujo apoio foi o ânimo que fez a primeira fase do trabalho sair melhor que a encomenda. O blog dá uma parada, mas o trabalho continua.
Um filme bonito vem por aí.
Lucas, Ricardo, Mateus, Vítor e Tássia [exatamente na ordem da foto].
*corrigido às 14h53 do dia 25/9
quarta-feira, 12 de setembro de 2007
segunda-feira, 10 de setembro de 2007
sábado, 8 de setembro de 2007
Catadores de luz
Capacete marrom, macacão azul, luz na testa, cinturão e bota compunham nosso vestuário de segurança para uma jornada de 7 horas dentro do mundo da mineração. Uma das entradas é por um corredor onde carris guiam o caminho de mini vagões transportadores de carga. A cada passagem da locomotiva, somos obrigados a encostar na parede de rocha irregular.
Antes de qualquer atividade subterrânea, os mineiros fazem uma espécie de devoção ao Tío, o santo protetor do interior mina. A figura é exótica, com cara de capeta, pele vermelha e um par de chifres. Reza a lenda que foi um dos melhores extratores de mineral da história e por isso virou santidade. Para ele não faltam oferendas, como fetos de lhama, cigarros acessos e folhas de coca, mascadas ou em formato natural. Se um mineiro necessita de um fumo, pode até pegar unzinho emprestado do Tío, mas ai dele não devolver no outro dia.
Depois de resguardado pelo "diabo divino", o trabalhador segue para seu posto de trabalho. A escuridão dos corredores só é quebrada pelo foco de luz da pequena lâmpada presa ao capacete.
Nos corredores em exploração, quartinhos abrigam o picheo (lê-se pitcheo) dos mineiros. "Impossível trabalhar sem mascar a folha de coca”, justifica um trabalhador sentado em uma tábua em meio ao ar rarefeito e a uma umidade sufocante. Ali portam uma sacola verde cheia da hoja. Uma por uma, cada folha é levada à boca depois de ter seu talo tirado com habilidade. O ritual se completa com a mastigação e o armazenamento da massa salivada numa das bochechas.
A folha de coca é sagrada para os mineiros. Dizem que ela serve de filtro e protege os pulmões da poeira produzida pela mina. Além disso, é estimulante mais forte que o café e garante até 8 horas de trabalho sem ingestão de alimentos.
Com a boca cheia eles partem para sua atividade diária. O trabalhador mais importante da mina é o perfurista. Conhecemos um desses. O sujeito porta uma espécie de britadeira com braço hidráulico e utiliza sua força para fazer pressão ante a parede de pedra. Fica por três horas seguidas suportando o trepidar e o ruído insuportável do maquinário. Depois paga o esforço com problemas renais e ortopédicos. Experimentei por alguns minutos o ofício e percebi a dureza do cara que faz a mina andar pra frente. Sem ele, nem um grama de estanho sai das paredes dos corredores de pedra.
Ainda existe o trabalho manual com martelo e cravo, mais especializado, no entanto igualmente sufocante. Todos sacam mineral para os transportistas levarem para o engenho, onde é separado da rocha.
Da severidade da vida na mina, esses trabalhadores desenvolveram uma filosofia sindical sólida e capaz de realizar a Revolução de 1952 na Bolívia. Mas, em 1985, a demissão de mais de 20 mil mineiros da Comibol (empresa estatal exploradora do solo) e o processo de privatização das jazidas levou os trabalhadores à desmobilização. Mas hoje tentam conquistar espaço político novamente e chegar até a luz indicadora do final da mina para sentir os raios da liberdade.
quarta-feira, 5 de setembro de 2007
A capital, quem leva?
Na parte sul da Bolívia está Sucre, sede da Suprema Corte de Justiça, uma cidade relativamente pequena com pouco mais de 230 mil habitantes. Considerada Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), Sucre também é conhecida como Cidade Branca devido aos diversos casarões coloniais de faixada clara.
As duas cidades encabeçam na Constituinte proposta de capitalidade plena, termo que significa reconhecer apenas uma das cidades como capital e sede dos três poderes. A questão é que nenhuma das duas quer sair de mãos vazias. O tema motiviou divisão entre os constituintes de La Paz e Chuquisaca, departamento qual Sucre é capital, até que no último dia 15 de agosto a direção da Constituinte, a pedido de representantes do MAS, aprovou a eliminação do debate sobre a capital. A medida teve o apoio de 134 dos 211 constituintes presentes no plenário.
Desde então todas as atividades da Comissão da Constituinte estão paralisadas. A situação voltaria ao normal hoje, mas as sessões voltaram a ser suspendidas devido a um confronto entre policiais e manifestantes.
Em meio as pressões políticas, o governador do departamento de Chuquicasa, David Sánchez (MAS)renunciou o cargo com o argumento que não gostaria de ser responsável pelo enfrentamento de manifestantes e a polícia especialmente no próximo dia 10 de setembro, dia em que está programado uma marcha campesina com mais de 100 mil pessoas.
Em nossa passagem por Sucre [22 a 26 de agosto], encontramos mais de 600 pessoas em greve de fome, uma espécie de ação refratária à hipótese de perder a capitalidade. A foto ao lado foi tirada no Salão Vermelho de Honras da Prefeitura. No cartaz, "Sucre de pé, nunca de joelhos".
sexta-feira, 31 de agosto de 2007
O homem é do povo
Apertou a mão de todos e antes de se sentar na cadeira ao lado da bandeira boliviana, fez piada com nosso amigo Lucas. “Esse é o africano do grupo. Só porque é o mais moreno faz o trabalho duro”, brincou pelo fato de Lucas cumprir a tarefa de segurar a haste do microfone.
Para a produção do documentário nos interessava falar da história de Evo até chegar à cadeira mais cobiçada da república, de como articulou o movimento cocalero com todos os outros movimentos sociais do país e de como se posicionava frente à forte oposição da direita. “Nosso maior inimigo atual são os grandes meios de comunicação”, definiu sem rodeios.
E não precisa ser ele a dizer isso. Assistindo aos telejornais das grandes redes, percebe-se uma campanha sistemática contra o governo e contra o processo de transformação exigido pelos movimentos sociais. Os diários impresos também nao ficam pra trás e quase sempre editorializam a cobertura política, esquecendo da informação factual.
Evo falou ainda da luta cocalera e de como os movimentos organizados se fortaleceram num processo de reação às políticas de neoliberiais dos governos anteriores. Falava do mal papel norte-americano enquanto relaxava os ombros e deixava os braços cairem no contorno lateral da cadeira. Reclamava do protocolo e da segurança que tinha que se submeter enquanto enfregava uma mão na outra e as guardava entre as pernas.
Apesar do cansaço aparente (enfrentou o maior Paro Cívico do país no dia anterior), em poucas ocasioes desviou os olhos dos meus. Visão firme, falava sem capas e sem esconderijo. Uma entrevista franca, mas sem palavras excessivas, cuidado natural de um chefe de estado acostumado a ser qualificado de "índio incompetente".
O tom intimista foi uma constante e a impressão mais forte é de que estávamos diante de um homem simples, real representante das classes populares: um homem do povo. Ele despreza as técnicas comunicativas utilizadas pela maioria dos habitantes do campo político e fala com naturalidade.
As suas origens de pastor de lhamas, quando criança, e de campesino cocalero, já adulto, não ficaram, ao menos aparentemente, do lado de fora do palácio presidencial. Numa tentativa definir sua própria representação nacional, ele emendou. “Os movimentos sociais são muito mais importantes que Evo Morales”.
quarta-feira, 29 de agosto de 2007
Exclusivo!
sábado, 25 de agosto de 2007
A periferia se mobiliza
Inúmeras famílias saíram em penitência da região do Altiplano, a partir de 1980, agredidas pelas secas e baixas extremas de temperatura provocadas pelo El Niño. Mais de 70% das plantações e 50% dos animais desapareceram. Muitas famílias foram para as periferias das grandes cidades, outras tantas para Santa Cruz e ainda muitas para a região amazônica do Chapare, destino do pai de Evo Morales depois de perder quase todo seu rebanho de lhamas.
Na segunda passagem por Cochabamba conhecemos um desses morros. Fomos guiados por um migrante e agente de uma Missão de Jesuítas. Fomos numa caminhonete emprestada pelos padres para enfrentar um caminho coberto por poeira fina e agressiva aos pulmões. Chegamos de carro, mas os moradores do local usam os coloridos e divertidos miniônibus Dodge, uns dos tantos meios de transporte público da cidade. Pelo menos isso chega por lá.
Mas falta água encanada, energia elétrica, assistência à saúde, escolas. Esgotamento sanitário nem se fala. No meio de tantas necessidades, um poder organizativo muito forte pode ser encontrado. Os vecinos formam grupos para tentar resolver os problemas locais. São diversos níveis organizativos. Os mais avançados são as Organizações Territoriais de Base, as famosas OTBs. Elas são oficializadas e, apesar de não pegarem em dinheiro, viabilizam obras públicas nos bairros.
As OTBs são resultados das Juntas Vecinais, organismos populares organizados pelo espírito de luta dos moradores dos morros. Têm ainda os Comitês da Água e as diversas Juntas de cada setor social. Sobra organização social e falta assistência. Essa equação desigual faz a população de baixa renda lutar com todas as forças pela transformação do país.
O nível de politização dos bolivianos é notável. Na nossa passagem por Loma de Santa Bárbara tínhamos a intenção de entrevistar lideranças locais. Fomos nas casas de vários deles e todos estavam fora. Um morador sentiu nossa presença estranha e se acercou.
Depois de alguns papos, resolvemos entrevista-lo. A cidade coberta por uma nuvem de pó compunha o pano de fundo. Crianças brincavam num parquinho improvisado, cachorros dormiam quase mortos em processo de hibernação sob o sol forte, um tanque de água vazio formava o cenário e sobretudo o silêncio fazia o esquecimento ainda mais notável.
quarta-feira, 22 de agosto de 2007
Latinidad
Mas nosso salvador parecia nervoso, dizendo-se com medo de ser pinchado pelo caminho. Levou 5 minutos até entendermos que seu receio nao era de ter um pneu furado na calada da noite, mas ali mesmo, ao vivo, no meio da estrada. Taxistas revoltados com a quebra de decoro estenderam uma plancha enorme e cheia de pregos no meio da rodovia, obrigando-nos a encostar. O motorista desceu desenxabido para o tribunal.
terça-feira, 21 de agosto de 2007
Evo Morales no Chapare
Falou sobre um acordo de cooperaçao com o Brasil para funcionamento de uma fábrica de papel e um outro acordo com médicos cubanos para implantaçao de um centro oftalmológico para os habitantes da regiao.
Não se estendeu com assuntos políticos e fez questão de cumprimentar todos que vieram ao seu encontro. As mulheres que trabalham no mercado de Villa Tunari ofertaram como saudação de boas-vindas um enfeite feito com verduras, hortaliças e frutas.
A caminho do Chapare
segunda-feira, 20 de agosto de 2007
Em breve, no ar...
Sem desgrudar
sexta-feira, 17 de agosto de 2007
quinta-feira, 16 de agosto de 2007
¿Roubo?
A Globo, direto da Pampa
Como bom sertanejo, o povo recebeu e aplaudiu, empolgado, a umas boas duas horas de discursos de gente importante e engravatada. Em cada fala, cupinchas da administração e do empresariado local não perdiam a oportunidade de malhar um pouquinho o governo de Evo Morales e pregar um discurso separatista de autonomia. No fim, do próprio prefeito, promessas de um novo hospital para o vosso-reino, em troca de aplausos, sorrisos e mais todo aquele venha-a-nós. Conservando o costume antigo do sertão, em Santa Cruz o povo ainda diz amém.
Disfraçados de jornalistas, suamos para conseguir entrevistar a presidente do Comitê Cívico pró-Santa Cruz. Os tais comitês existem em cada uma das 9 províncias bolivianas e são o ajuntamento de diversas organizaçoes da cidade (inclusive a prefeitura e o governo da Província!), sob a batuta de latifundiários e empresários da região. Na hora negociar com o presidente, são eles - que nunca receberam um único voto - que sentam na mesa. E a transformam em balcão, e exigem o que bem entendem.
O chato do assessor nos concedeu cinco minutos com a distinta senhora. Anotou nossos nomes, botou uma banca de importante, disse que andava tendo problemas com entrevistas de estudantes, aquela coisa.
E eis que, caminhando, já de partida, escutamos no microfone: "Vamos saudar a equipe da Globo, de Brasil, que também está aqui fazendo umas imagens, vendo como se faz festa na Pampa."
Do palanque, dondocas nos olhavam, e pela primeira vez abriam sorrisinhos. E o povo, incauto, disse amém mais uma vez. Fomos embora, porque já era meio-dia e sol do sertão vocês sabem bem como é.
Clássico cruceño
Política a parte, deixo aqui mais um registro: é complicado comer na Bolívia. Falo de falta de higiene. Muitas vezes, os alimentos são colocados a venda em recipientes sujos. Já tivemos o prazer de encontrar cabelo na comida mais de uma vez. É comum ver o vendedor pegar o troco do dinheiro com a mesma mão que corta a fruta do suco. Sem nem lavar, sem nem utilizar uma luva. Ou então poe o pesão em cima da bandeja de sanduiche depois sai para vender em plena partida de futebol como se nada tivesse acontecido. Sem falar que a base da comida típica bolivana é ovo, carne e pollo [frango]. Pollo caprichado em gordura para todos os lados. Isso quando não é dia de panza, uma espécie de bucho a milanesa, já citada aqui no blog pelo companheiro Sangiovanni.
domingo, 12 de agosto de 2007
sábado, 11 de agosto de 2007
O preço da curiosidade e o mistério do planeta
Antes de duvidar, vejam a tabelinha, por pessoa. É estimulante:
Hospedagem (com café da manhã incluso): 50 bolivianos/dia = aprox. 13 reais
Alimentação: em média 40 bolivianos/dia = aprox. 10 reais
Táxi para qualquer lugar da cidade: 10 bolivianos = aprox. 2,50 reais
Telefone a vontade por uma semana: 80 bolivianos = aprox. 20 reais
Contato com as fontes (só para jornalistas): ainda é de graça.
Façam a soma aí para ver que sobra dinheiro para comprar jornal, tomar café e cerveja. Posso dizer que até agora não economizei em nada (teve dia que comprei exemplares de todos os jornais da banca por caríssimos 25 bolivianos... ou míseros 6,50 reais!). No total, a semana deve ter saído por uns 200 reais. Desafio quem me mande, daí, um orçamento mais barato. Como bom Ricardo: cubro qualquer oferta!
Claro que nossa curiosidade, se livre da força da grana, talvez nos levasse a lugares bem mais caros. E talvez por isso mesmo inviáveis. Mas, se alguma audácia há nesta iniciativa, financeira é que ela certamente não é.
O que me admira não é a ponta de coragem que temos (não contem para ninguém, mas estar aqui é uma soma de vários medos... de não dar nada certo, do avião cair, de o ônibus virar, de 12 mil homens armados sairem de não-sei-onde e declararem guerra civil, de ter dor de barriga comendo panza empanada, de nos tornarmos, dentro de um mês e pouco mais, os mais novos heróis-desempregados da Bahia).
O que me admira é que pareçamos sempre assim tão "inéditos", mas que o que até nós achamos barato pareça sempre muito caro, embora sejamos tão caros a tanta gente. Ora, pessoal, não somos novos baianos, senão mais uns baianos novos. Muito metidos a retados, é verdade. Mas por que não?
A propósito, dos Novos Baianos de verdade:
"Vou mostrando como sou
e vou sendo como posso
jogando meu corpo no mundo
andando por todos os cantos
e pela lei natural dos encontros
eu deixo e recebo um tanto
e passo aos olho nus
ou vestidos de lunetas
passado, presente
participo sendo
o mistério do planeta"
A música se chama O mistério do planeta.
O sotaque conta a favor
Chegamos em Santa Cruz de la Sierra em uma madrugada fria, depois de uma viagem noturna desde Cochabamba. Nos abrigamos num hostel e de manhã mesmo acompanhamos o desfile cruceño em comemoração ao 182º aniversário de independência do país.
Autoridades municipais, departamentais, escolares, movimentos civis organizados marchavam sob um sol forte. Com as câmeras na mão, começamos o registro. Nosso amigo Lucas tirava algumas fotos e dois sujeitos se perguntavam quem era aquela figura de barbas e cabelos compridos.
- Será cubano? Indagou um.
- Está mais para venezuelano, concluiu o outro.
Depois dos cochichos em pé de ouvido, um resolveu tirar a dúvida:
- Oi amigo, você vem de onde?
- Do Brasil, sou brasileiro.
A resposta de Lucas deixou o sujeito tranquilo e confortável para arriscar um conselho:
- Olha filho, cuidado com os cubanos e venezuelanos, eles estão por toda a parte e são perigosos.
Abordagens como essa têm sido constantes. São resultados da efervescência política nacional.
Dizem que tropas venezuelanas e cubanas estão no país. Mas o que vi mesmo foram médicos da ilha.
Eles foram enviados ao país para a Missão Milagre, como forma de melhorar o acesso dos pobres à medicina. Nós, inclusive, utilizamos um dos postos de saúde.
Nosso cinegrafista Mateus teve um probleminha no olho direito e fomos encaminhados a um posto especializado em oftalmologia. É uma das poucas opções de atendimento médico gratuito, em uma cidade com muitas clínicas particulares.
Depois de um atendimento imediato e ágil, uma cubana o receitou um colírio. Algumas gotinhas e tudo está bem. Já imaginou nosso câmera com um olho prejudicado?
Venezuelanos ainda não encontrei nenhum. Vou continuar procurando. Vou continuar também com o sotaque. Nessas horas, ser brasileiro alivia um pouco a barra.
quinta-feira, 9 de agosto de 2007
Pela autonomia II
Um senhor, por exemplo, tentou me convencer de que eu não estava na Bolívia, mesmo com o nome do país carimbado no meu passaporte. "Estamos numa Nação Camba, a Bolívia fica de Chochabamba para lá, nas regiões andinas e do altiplano". Ele recorreu a argumentos raciais, sociológicos e econômicos para contradizer o tal carimbo.
Um outro, este um cantor muito popular por aqui, conhecedor da diversidade boliviana, disse que eu estava na Bolívia, ainda que em uma Bolívia diversa dos steps mais elevados.
Um vereador e ex-guerrilheiro também identifica a diferença étnica e cultural do departamento em relação às regiões andinas, mas enxerga um país diverso porém unido. "Os imperialistas influenciam setores da elite a buscarem o separatismo. Querem desestabilizar o país para enfraquecê-lo. É o separar para dominar".
Todos eles são pela autonomia do estado em relação ao país, em graus e formatos diferentes.
O primeiro propõe a criação de um outro país. O segundo, uma autonomia federalista, coisa parecida com a idéia do terceiro, que busca modificações mais administrativas do que ideológicas.
Enquanto eu sigo com meu passaporte carimbado "Republica de Bolivia".
Bastidores
quarta-feira, 8 de agosto de 2007
Os indígenas na Parada Militar
Às 9h45 da manhã, pontualmente no horário previsto, um avião baixou do céu e pisou o solo do aeroporto militar de Trompillo. Minutos seguintes, um carro aberto transportou o presidente em desfile. Ele exibia um sorriso aberto para os olhares e aplausos vibrantes de uma multidão espremida. Crianças dormiam ou choravam, inconscientes da importância da presença naquele lugar, naquele momento. Jovens e velhos buscavam acento. Mulheres pediam para os soldados saírem da frente e facilitarem a visão.
Logo depois de Evo acenar com retida simpatia, os indígenas começaram seu desfile. Pés descalços seguiam a cadência da marcha e caminhavam ao lado de coturnos bem postados e disciplinados. Podia-se ver o arrepio nos braços de alguns soldados, quando uma senhora ou simplesmente uma criança com roupas típicas portavam a bandeira nacional e dividiam o orgulho de serem simplesmente bolivianos. As diferenças entre Collas, Cambas, ou qualquer identidade étnica que exista ou venha a existir na Bolívia, caiam por terra quando indígenas, cocaleros, sindicalista, testemunhas de Jeová, militares, todos marchavam por um país unido.
Para muitos foi uma demonstração de invasão dos povos ocidentais em território oriental. Os dois lados formam duas Bolívias diferentes. Peleas faziam parte da previsão dos jornais, ávidos por confrontos e oportunidade para impressão de manchetes sensacionalistas. Certamente venderiam mais unidades quanto mais sangue sujasse as ruas. Mas um discurso conciliador de Evo e um comportamento civilizado de todos os setores garantiram o que se tornou muito mais do que o aniversário de 182 anos das Forças Armadas. Presenciamos a consolidação democrática do poder popular.
terça-feira, 7 de agosto de 2007
Evo Morales pela unificação da pátria
Cerca de 62% da população boliviana é indígena, sendo a maioria de origem quechua e aymara. De acordo com a Comissão Economica para a América Latina (Cepal), 72% dos indígenas vivem em áreas rurais e tem dificuldade de acesso a água potável, além da falta de infra-estrutura para saneamento básico, fato que contribui para uma alta taxa de mortalidade infantil, sendo considerada a mais alta da América do Sul. De descendencia indigena direta, o próprio presidente perdeu seis irmãos ainda na infância. Uma das marcas do governo Morales é o investimento em melhorias para os indigenas, a começar pelo reconhecimento étnico-cultural dos povos originários da Bolívia.
"As três cores da bandeira boliviana representam a unificação dos povos que vivem nesse país. A presença das Forças Armadas e dos povos indigenas não é uma provocação a ninguém. É apenas para que todos sejam reconhecidos", garantiu Morales.
segunda-feira, 6 de agosto de 2007
O clima explosivo do separatismo
Santa Cruz fica na parte leste da Bolívia e lidera um movimento de autonomia dos estados da chamada Media Luna, região ainda formada pelos estados de Tarija, Beni e Pando. Estes quatro estados, governados por políticos opositores ao governo Morales, não aceitam um indígena como líder nacional e buscam independência em relação ao poder central. Bandeiras e faixas espalhados por toda parte conclamam o separatismo.
Os opositores recorrem ao argumento de que o Morales não repassa os recursos de maneira democrática. Depois da pressão, um referendo nacional foi realizado para votar a autonomia e os bolivianos decidiram manter a nação unida. A decisão foi democrática, com o povo às urnas, mas os estados da Media Luna alegam que apenas eles próprios deveriam tomar essa decisão e, por isso, pedem novo referendo, desta vez localizado.
Basta andar pelas ruas da cidade para perceber a clara diferença racial entre a população de Cochabamba e a de Santa Cruz. Os rostos indígenas por aqui são menos constantes e os brancos formam a maioria.
A atmosfera em Santa Cruz é explosiva. Hoje é o dia da independência do país e uma marcha foi realizada pelas autoridades estaduais e municipais. No entanto, amanhã será um dia histórico para os indígenas. Eles vão participar da Parada Militar, marchando lado a lado com as Forças Armadas, depois de uma decisão tomada pelo poder central e muito representativa para as camadas populares.
O ato de Morales simboliza a participação direta dos indígenas no poder, demostrando que eles são muito mais que uma base eleitorial: eles formam a força de sustentação do governo, assegurando as políticas de nacionalização das reservas naturais e a implantação de medidas socialistas.
A situação incomoda sobremaneira os setores conservadores e, por isso, todos esperam um clima tenso durante a Parada e muitos prevêem confrontos. De qualquer mameira, estaremos por lá e logo informaremos qual foi o resultado.
domingo, 5 de agosto de 2007
Em busca da Bolívia que se reinventa
Morales provem do movimento sindical camponês e emerge ao poder impulsionado pela organização dos setores populares formado por cocaleros e mineradores. Ele foi eleito depois de dois presidentes não conseguirem cumprir os mandatos por completo, renunciando depois de pressões dos movimentos contrários à privatização da água e do gás.
Um deles, por exemplo, Gonzalo Sáchez de Lozada, praticamente sepultou, com sua renúncia, o neoliberalismo que perdurou por 20 anos no país. Ele mal falava espanhol e saiu fugido para Miami depois de se negar a dar início ao processo de nacionalização da exploração das riquezas naturais. Seu sucesso, Carlos Mesa, também não cedeu às pressões e mal completou o mandato tampão.
Uma clara disputa ideológica marca o contexto atual da Bolívia, com elementos segregacionistas de alto teor, onde a classe média urbana propaga seus ideais burgueses através da mídia empresarial e se coloca de um lado oposto aos campesinos e mineradores indígenas. Tudo vai muito além da discussão propriamente política eleitoral e culmina em diversos conflitos em praça pública, como o 11 de janeiro, quando manifestações se encontraram nas ruas de Cochabamba e dois campesinos foram assassinados, assim como um jovem de classe média.
O conflito se estabelece num momento de reformulação do socialismo, quando o presidente Evo Morales encabeça um processo de “Revolução Cultural Democrática”.
Partir para a Bolívia agora representa, portanto, uma tentativa de observar a conjuntura que pode ser determinante não só para o futuro do país, mas para a formulação de alternativas do exercício do poder na América Latina. Certamente, um movimento necessário para se discutir a emancipação tão sonhada do continente.
Vamos tentar contar um pouco a história deste país e sua luta para se reinventar através da elaboração de uma nova Constituição, mais democrática e popular.
Em tempo, a Bolívia encanta pela sua cultura indígenas - mais de 62% dos bolivianos tem alguma raiz indígena, compondo um mosaico de 38 etnias diferente, formadas principalmente pelos aimarás e os quechuas.
Essas diferentes nações viveram sempre em posições marginais à sociedade, excluídos do processo político. Só garantiram direito a voto direto a partir de 1952, quando uma Revolução Nacional promovida por operários tomou o poder e deu início a um processo de democratização dos direitos humanos. Mas, como em todos os países da América do Sul, governos ditatoriais chegaram para travar o processo e o sonho de liberdade dos povos oprimidos, agora reestabelecido.
Mercado 25 de maio
Nosso café da manhã
Chegamos em Cochabamba às 17h de ontem depois de passar por três aeroportos - Salvador, Guarulhos e Assunção. Cocha é cercada de montanhas. Todas altas. Nos acomodamos e à noite jantamos com três bolivianas integrantes do movimento Somos Sur. Hoje de manhã saímos cedo em busca de jornal e café da manhã.